Semana Santa lá em Lagolândia tinha cheiro de assombração. Se alguém jogasse baliza ou fizesse qualquer brincadeira que envolvesse “ganhador” e “perdedor” aparecia o “bode preto” lá da Cava e o “boi branco” lá do cemitério. A meninada não podia nem falar mais alto que minha vó ralhava com todo mundo dizendo que os bichos estavam soltos e que podiam escutar nossos risos e virem assombrar a gente de madrugada.
De quinta pra sexta tinha a missa que valia pra quaresma inteira, inclusive para páscoa, já que o padre só aparecia por lá uma vez no mês. Era quando me vestia de discípulo com túnica de cetim toda brilhante e ia com mais onze amiguinhos ver o Pe. Jesus lavar e beijar os pés cheirando a chulé da turma toda.
Na sexta-feira não se podia varrer casa, nem pentear cabelo e muito menos se olhar no espelho (ainda bem né?). E se alguém quisesse aprender a fazer qualquer coisa com as mãos, tipo tocar violão ou desenhar, era só ter coragem de à meia-noite, ir sozinho até a Igreja e enfiar as mãos por baixo da porta por 5 minutos. Que medo!
Minha mãe, que passava a quaresma inteira prometendo “tirar a aleluia”* da gente no sábado, nem se lembrava disso porque era sempre dia ensolarado de festa, onde podíamos fazer tudo que tinha sido proibido nos 40 dias anteriores. Nossa maior alegria era abrir o baú de brinquedos e de lá retirar todos os jogos que estavam engenhosamente escondidos (bola, dominó, baralho, pega-varetas...) e passar o dia todo matando a saudade das disputas acirradas do jogo de béte no meio da rua... de poder gargalhar com vontade quando a bola era rebatida pra bem longe e a gente, batendo um bastão no outro contava bem rápido: um, dois, tre, ca, ti, no, dé...catinodé, catinodé...
(*) Pra quem não sabe, o termo “tirar a aleluia” era usado pra se referir à surra por qualquer traquinagem que se fazia durante a quaresma. Neste tempo, os pais e as mães não podiam bater nos filhos senão nasciam pêlos nas mãos.
Imagem: Wolney Fernandes
20 de março de 2008
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