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domingo, 25 de agosto de 2013

Quem tem medo não olha!


Por ocasião dos festejos de São João, reza a tradição na pequena Lagolândia que, à meia-noite do dia 23 para o dia 24 de junho, quem tiver a coragem de verificar o próprio reflexo nas águas do Rio do Peixe garantirá, no mínimo, mais um ano de vida. Pobre daquele/a que não identificar sua imagem nas águas escuras porque não terá a sorte de alcançar a mesma data do ano seguinte.

Nunca tive coragem de arriscar uma olhadela. Já pensou? Olhar e não me enxergar?

Não é de hoje que meus medos me beijam na boca e não foram poucas as vezes que, em função desses beijos, não me enxerguei. Quando criança, era assim: Não gostava de ficar descalço, mas insistia em caminhar no cascalho como os outros meninos; Tremia diante de desconhecidos, mas tinha que "fazer sala" para não parecer mal educado; tinha medo de filmes de terror, mas assistia sob a lei que impus a mim mesmo de fechar os olhos nas cenas mais assustadoras.

Quem tem medo não olha, descobri assistindo Psicose no Domingo Maior.

Adulto, tive medo de ser artista e, mesmo fazendo arte desde sempre, preferi não olhar para aquilo que faz circular meus desejos de alegria. Havia, e de certo modo ainda há, uma necessidade de justificar meus rompantes poéticos por outras vias. A pedagogia e o design estão no topo do ranking dessas justificativas. Por elas, eu camuflei meus pequenos fazeres artísticos com um discurso que me distanciava cada vez mais de mim mesmo. Aos poucos, a arte foi esquecida no banco detrás para que minhas vistas se apoiassem na estrada das coisas de fora, das urgências que nem sempre embalam o meu coração.

"Como medir a distância que te separa do que você diz?"

A frase escrita na entrada da última bienal de arte em São Paulo já me preparava para o que eu veria ali. Muito daquilo que a bienal abrigava parecida dialogar intimamente com o que eu já fazia e, de repente, minha insistência em não querer enxergar o artista que eu sempre fui me pareceu distante demais, vazia demais.

Aquela experiência me trouxe o espírito da retomada e da reinvenção daquilo que eu sempre fui. É claro que não foi apenas o passeio pelos corredores da mostra que acionou essa vontade que eu já trazia aqui dentro de mim, mas foi quando o desejo transbordou e onde eu pude perceber que, apesar dos meus medos, eu já tinha coragem suficiente para olhar o que eu faço de um outro lugar... mais próximo, mais singelo e, exatamente por isso, forte o suficiente para me fazer encarar o artista que eu viro a cada dia.

Quero me reaproximar de mim mesmo. Diminuir a distância que me separa do que eu digo e não fazer disso um fardo. Há tantas possibilidades, muitos redemoinhos e atalhos para se percorrer o mesmo caminho, mas ainda assim, prefiro percorrê-lo com a sensação da volta pra casa.

Eu quero voltar a mim, sem pedir carona.

Imagem: Wolney Fernandes