Páginas

domingo, 20 de fevereiro de 2011

Ensaio sensual da boneca Badia

Fotos: Wolney Fernandes.
Texto e produção: Rosi Martins

Na penumbra, a timidez sedutora...

Em um gestual rompante de dança contemporânea, Badia esquece os problemas do nervo ciático e mostra que fazer arte é percepção, intuição e emoção. Sua partitura de ação física é perfeita.

Esse corpo, adepto da yoga e da RPG, até desconcerta a gente. Ginga, samba, brasilidade, fouveirice, malemolência!

Com languidez, Badia escorre e esbalda volúpias e seduções. Ela tinha medo das fotos ficarem apelativas, mas [para o nosso deleite] o fotógrafo experiente usou de psicologia e convenceu esta beldade a posar.

Corpicho só na base do pilates, do método Feldenkrais, da acupuntura (ela já foi almofada de alfinetes no ateliê de figurinos), t'ai chi chuan...

Momento, talvez, de reflexão. Olhar perdido, olhar "pro antonte", desanuviada... mas sem perder o contato com a corporeidade, a presença cênica, o tônus muscular. Seus ídolos? Laban, Delsarte, Alexander, Reich, Martha Graham, Pina Bausch e Ana Maria Braga.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

"A vaidade mata quando a beleza é muita"

De imediato, ao deixar a bolsa enorme na cadeira que separava o meu lugar e o dela, perguntou: "Como é seu nome?" - Fiz cara de paisagem para disfarçar minha surpresa diante da abordagem inesperada e respondi: "Meu nome é Wolney". A desconhecida de quarenta e tantos anos sentada do meu lado era alta, cabelos nos ombros e montes de pulseiras no braço.

"Menino, mas que coincidência! Wolney é o nome do meu cunhado que morreu" - notei que seus olhos conferiam a senha que tinha nas mãos com os números que apareciam no painel digital da agência central dos correios. Ela apertava os olhos e esticava o braço para enxergar melhor e continuou: "Conhece o Apolo?"
Antes que pudesse pronunciar um "não" audível ela se antecipou: "Apolo, aquele deus do amor lá dos gregos". Ao abrir a boca para responder, ela me deu maior tapão no ombro e, como se fóssemos velhos conhecidos, sapecou: "Apolo, aquele que morreu afogado porque era muito bonito." Dei um sorriso amarelo e corrigi: "Você quer dizer Narciso?"

"Isso! Esse aí mesmo. Eu confundo as bolas dos deuses. Meu cunhado morreu igual ao Naciso".

"Afogado?". Perguntei com um riso no canto dos lábios quando ela pronunciou Narciso sem a letra "r".

"Não. O Wolney morreu porque era bonito demais. A coitada da minha irmã já não tinha mais testa. Foi chifre demais que ele colocou nela. Era com mulher, era com homem. Você sabe como é caminhoneiro, né? Meu cunhado não deixava passar ninguém. Ele era bonito demais da conta". Sem entender direito a causa da morte daquele Wolney - que fora abençoado com a beleza clássica dos deuses gregos - ousei perguntar: "Mas como foi que ele morreu?". Com um movimento brusco ela saltou de pé no exato momento em que o barulho da campanhia indicando a próxima senha ressoou e remexendo na bolsa jeans explicou: "Doença venéra" [a palavra 'venérea' pronunciada sem o "e"].

"Teve que cortar o troço fora. Durou ainda uns dois anos, mas morreu quando a doença voltou. E foi a boba da minha irmã quem cuidou dele até o dia da morte. Ele só aceitava ela pra dar banho nele. Pediu perdão a ela pelas traições e morreu jovem: 42 anos. Moço bonito que nem ele, só artista de novela"

Ao encontrar a lixa de unha que procurava na bolsa, sentou novamente e continuou, agora em um tom mais tranquilo: "É por isso que eu digo, a vaidade mata quando a beleza é muita! Só sendo de família boa pra escapar!".

Nesse exato instante, minha senha piscou no painel: "Minha vez!" consegui me despedir rapidamente e enquanto caminhava para o balcão tentei entender direito aquele monólogo, mas não consegui. Depois, enquanto me dirigia até a saída, notei [com o rabo do olho] que ela tinha mudado de lugar e agora reclamava dos nomes das ruas de Goiânia a um homem com um olhar ainda mais confuso que o meu.

Suspirei aliviado: "Escapei!"

Pintura: "No espelho das águas" de John Waterhouse. Imagem capturada aqui. 

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

[com]pressões

De vez em quando o que guardo aqui dentro, transborda. Sou eu mesmo pedindo passagem para vomitar raivas e frustrações engolidas e remoídas pelo "foda-se" não dito.
De vez em quando esqueço que a tristeza é parte da brincadeira.
De vez em quando acredito que amores possam surgir da coragem de me apresentar por minhas falhas, feridas e imperfeições.
De vez em quando, pelas [com]pressões, prefiro habitar o solo lunar para frequentar o lado escuro da lua nova.
De vez em quando quero mais fazer bom uso da imagem do que ser usado por ela.
De vez em quando rezo, como sugeriu Rilke, para que a beleza me permita contemplar o horrível, sem ser por ele destruído.

Imagem: Fotografia de Carl Kleiner

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

I Started a Joke*

Na cena mais tocante de "O Vencedor" (The Fighter, EUA, 2010), o filho viciado em crack, diante da mãe decepcionada, pronuncia os primeiros versos da música "I Started a Joke" do Bee Gees:

"Eu comecei uma piada
que fez o mundo inteiro chorar,
mas eu não vi
que era uma piada sobre mim"

O verso reflete o drama vivido pelo coadjuvante Christian Bale [roubando a cena] diante de uma vida de fracassos que ele, incessantemente, tenta colorir com tonalidades mais vívidas, sem se dar conta da fragilidade dessa tentativa.

Na tela, encenações inventadas parecem refletir verdades profundas. Do lado de cá, "ferindo a cabeça com coisas que eu disse", penso nas piadas que eu conto sobre mim mesmo e de como elas pintam camadas [finas?] sobre quem verdadeiramente sou.

Imagem capturada aqui.
(*) Título e referências da música do Bee Gees.

domingo, 13 de fevereiro de 2011

Vontade destampada

Sabe aquela vontade de ter um ateliê pra espalhar desenhos por todo canto e não juntar nunca mais? Pois é, destampou a crescer de uma hora pra outra e tá difícil mantê-la sossegada.

Foto: Wolney Fernandes

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Eterno

A imagem e a idéia vieram do blog "Grifei num livro". 
A citação é de Carlos Drummond de Andrade.
A dúvida sobre qual grifo mostrar é minha.
............................

Atualização => Dúvida dissipada: a escolha recaiu sobre um grifo meu no livro "O Retrato de Dorian Gray" de Oscar Wilde. Veja aqui.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Sobre violetas escondidas

Desenhar é "presentear" (tornar presentes) diferenças e momentos vividos de ordenação interna-externa; é subverter a ordenação interna-externa; é subverter a ordem; é estar inquieto; é ser "violáceos-violetas" sem máscaras; é ser uma pessoa perturbadora da ordem estabelecida; é construir "outra vida" - uma vida singular; é estar atento às infinitas possibilidades.

Trecho do livro "Por que se esconde a violeta" de Lucimar Bello.
Imagem: "Nu com meias violeta e cabelo preto" - deseho de Egon Schiele

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Para cantar o todo que eu [não] sou

Shuffle

Vi no blog da Trip e achei a idéia tão boa que resolvi fazer aqui. Funciona assim: Pegue seu mp3, aperte a tecla "shuffle" e registre a sequência com as cinco primeiras músicas em uma playlist.
Abaixo segue a minha:

01. Across the Universe - Rufus Wainwright
02. If the light go out - Katie Melua
03. Ouro pra mim - Renata Arruda
04. Lies - Marketa Irglova & Glen Hansard
05. Pranto Livre - Elza Soares

Imagem capturada aqui.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

"A perfeita justaposição da obra"

Outro dia, pesquisando livros de arte por aí, me deparei com isso aqui:

"Como entender arte moderna:
Lembra das aulas de interpretação de texto da escola, em que todo mundo acaba encontrando sentidos que o próprio autor nunca sequer imaginou para as suas palavras? Com obras de arte é a mesma coisa. O segredo é passar o máximo de convicção. Para tanto, ter algumas frases de efeito na manga pode ajudar muito. Você pode começar admirando 'a perfeita justaposição da obra' ou comentar como 'o toque dionisíaco de liberdade sensual e indomável' mexeu com você."

Fotografei o parágrafo para nunca mais lembrar do livro.
Fogueira nele!

Imagem: pintura de Lasar Segall. Achei aqui.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Cruzada

- Saio correndo do trabalho tendo apenas cinco reais no bolso
- Chego no shopping Bougainville
- Me coloco na fila para sacar dinheiro no caixa automático do Banco do Brasil
- Descubro que a opção "saque" está indisponível
- Mudo para a fila do Banco 24h
- Descubro que o sistema está fora do ar
- Sigo para a fila da Caixa Econômica
- Descubro que o computador central está inoperante
- Subo até a bilheteria do cinema
- Descubro que eles não aceitam cartão
- Vomito toda minha indignação na atendente
- A moça atrás de mim, com pressa, me oferece dois reais
- Compro o ingresso
- Sigo até a lanchonete do cinema para comprar refrigerante
- Descubro que eles não aceitam cartão
- Caminho bufando entre as mesas da praça de alimentação até o Subway
- Descubro que a opção de compra com cartão está fora do ar
- Tenho a sensação de que estou vivendo em um século diferente do atual
- Vou até o Bob's e, milagrosamente, consigo comprar o refrigerante
- Entro para ver o filme
- Antes dos créditos iniciais, me lembro que na saída é preciso pagar o estacionamento
- Tenho vontade de rolar escada abaixo

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Cartazes perfeitos

Sabe aquele cartaz de cinema que dá vontade de levar pra casa e pendurar na parede do quarto, da sala, do banheiro...?






domingo, 6 de fevereiro de 2011

Primo do Padre

Diante do nome do arcebispo de Goiânia eu levantei a cabeça e, torcendo para não ter escutado direito, indaguei assustado: "Quem vai presidir a celebração?" Tios, tias e primos me olharam com assombro e, sem dó, confirmaram: Dom Washington!

Eu, em minha atual e por vezes insensata vocação para dizer o que me vem à cabeça profanei o santo nome do bispo em vão. Junto àquela profanação devo ter feito uma careta deveras preocupante, pois mais que depressa alguém do lado de lá da mesa lançou-me um consolo "fulano de tal também não gosta do jeito dele celebrar". Ao passo que, ainda sem conseguir frear a língua, completei: "E existe alguém que goste?".

Convém dizer que sou primo de um padre e, por muito tempo, fui também católico fiel e militante pastoral. Porém, depois de tempo demais sem ir a missa (nem ouso dizer o quanto para não correr o risco de nova profanação), meu jejum eucarístico teve fim no último domingo. Meu primo que, por muito tempo, foi pároco no Piauí, reuniu parte da família para a celebração de posse em seu retorno às terras goianas junto a uma comunidade do Jardim Nova Esperança.

Estávamos todos reunidos em sua nova casa paroquial, minutos antes da missa, quando a idéia de ficar duas horas sentado diante de D. Washington me apavorou. Eu sempre imaginei que seria reconduzido ao rebanho de maneira simples e, confesso que a premissa de celebrar junto aos meus em uma igreja pequena na periferia de Goiânia me pareceu um retorno bem adequado aos meus tempos de vida em comunidade.

Na verdade, minha implicância com o arcebispo é apenas um reflexo da minha decepção com a instituição que ele representa. Talvez por isso, aquela vontade de me encantar de novo e voltar a experimentar os sentidos tão bem orquestrados por uma celebração eucarística parecia não caber no mesmo lugar que ele estivesse. Eu desejava voltar para uma Igreja bem diferente daquela que ele conduz.

A saída foi ignorá-lo. E até onde eu pude, foi o exercício que me manteve por quase duas horas e meia ali diante dos [des]conhecimentos de antes. Meu olhar passeava pelos rostos das pessoas presentes à procura de resquícios daquela fé que as mantinham de pé, no calor, ou correndo pelos corredores estreitos para afinar todos os preparativos que envolvem o rito litúrgico.

Sendo primo do padre empossado, tive cadeira reservada e fui citado pelo menos umas três vezes, juntamente com o restante da família, no decorrer da celebração. Ao meu lado, dando uma de penetra no seleto grupo familiar, sentou-se seu Chico. Foi colocado ali pela irmã mais nova que o deixou para ir acomodar-se do outro lado da pequena igreja. Idoso, quase cego e com uma das mãos imobilizada ele permanceu atento, se colocando de prontidão para o senta-levanta característico do rito. Se não sabia a letra dos cantos, sussurrava a melodia. Se lhe faltava forças para entrar na fila da comunhão, conseguia atenção dos ministros para lhe trazerem pessoalmente a eucaristia.

Aos poucos, e sem saber, a postura de seu Chico foi me trazendo de volta a beleza contida no perfume das flores, nas canções que insistiam em colocar estrofes na minha boca, nas cores do painel antigo pintado na parede lateral e na vontade de dar as boas-vindas ao meu primo, amigo de infância e de tantas lembranças boas partihadas pelos quintais da casa da vó.

Ao final da celebração, até o abraço forçado que o arcebispo me impôs pareceu não me retirar daquele lugar prenho de bons sentidos. Minha alma católica proibiu-me de comungar em espécie no momento reservado para a comunhão, mas foi no bolinho de milho, servido depois da missa, que a fé de seu Chico encontrou o meu paladar para habitar.

Foto: Painel da Igreja N. Sra. da Esperança

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Porque o amor também tem fim

De início, a narrativa já prenuncia uma tensão típica dos finais em uma cena que parece não se encaixar nos começos. Uma garotinha faz ecoar pela estrada o nome da sua cachorra de estimação que está desaparecida. A partir dali, de forma vertiginosa, mergulhamos no cotidiano do casal vivido por Ryan Gosling e Michelle Williams no filme Blue Valentine (EUA, 2010).

Os dois partilham uma vida de frustrações que, aos poucos, se desdobra em um acerto de contas doloroso. O filme narra uma historia de amor sem as idealizações que o próprio amor constrói. Saem os clichês românticos e entram em cena as alegrias e desassossegos típicos da vida real. Pela tensão prenunciada no início, seguimos a história de um amor que tem fim no começo e que começa quando o filme termina.

Tão verdadeiro, que por vezes incomoda assistir planos e sonhos sucumbirem à uma realidade bem mais dura do que aquela idealizada pelo desejo de partilhar a vida com alguém. E não há como não se identificar. Para tanto, basta que tenhamos vivido amores desfeitos, pois estão lá todas as nuances que permeiam um romance. Do flerte aos encantamentos, das identificações às frustrações, da música à dor que o som da palavra "acabou" faz ressoar. Tudo porque o amor também tem fim.

O curioso é que ver essa premissa na tela parece fazer doer ainda mais o que na realidade já é doloroso o suficiente.

Imagem capturada aqui.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Dia da Luz























As tarefas diárias transcorriam no ritmo de sempre. A exceção se aplicava apenas ao trabalho das lavadeiras. O ofício de lavar roupas no rio não era permitido nesta data. Fora isso, nenhuma alteração na rotina parecia marcar o dia 02 de fevereiro como dia santo.

Porém, bastava os morros engolirem o sol para as pequenas luzes aparecem. Na soleira das portas e janelas das casas, velas eram cuidadosamente acesas para celebrar o dia e iluminar o silêncio da noite em Lagolândia. Só ali, no início das últimas horas, era possível saber que era dia de Nossa Sra. das Candeias, a Iemanjá lá do mar.

Imagem capturada aqui.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Frugalidades reveladas

Funciona assim: se apenas os bons vão pro céu, meu lugar é aqui, longe do paraíso. Obedeço cada versículo escrito no Dicionário Houaiss e "beijo" é a palavra que faz minha língua andar de montanha russa. Ainda ouço Tina Turner e Ike pra dançar enquanto tomo banho. Tenho profundo respeito pelos que colocam o pé na estrada, mas não movo a bunda do lugar para seguir meu percurso. Ignoro as novelas das seis e os problemas que me incomodam. Pelos intervalos entre peixe e rio, rabisco meu projeto de tatuagem. Uso vírgulas nos lugares errados, mas sei que a palavra exceção não se escreve com "s". Não vejo graça na voz de Chico Buarque, mas adoro suas músicas em qualquer outra boca. Assim como desconfiava, fiquei seis meses longe das redes sociais e sobrevivi. Assim como você, sou Narciso em potencial. No mais, é isso.
E você? Já se apaixonou pela Uma Thurman? Eu já.

Imagem capturada aqui.