terça-feira, 30 de junho de 2009
Sentidos Simultâneos
Foi assim que nasceu o "Sentidos Simultâneos". Um blog de criação coletiva, em que 8 profissionais de áreas variadas transitam em torno de um mesmo tema. A cada semana, elaborações simultâneas (re)velam multiplicidade de sentidos, em oito camadas possíveis. Ideias que se cruzam, linguagens que se completam, diálogos que se cumprem em dobras sensíveis à experiência de cada um/a.
Propomos, simultaneamente, oito jeitos de olhar para um mesmo tema. E você? Como você enxerga? Qual o seu sentido?
Para acessar, clique aqui.
Imagem: Wolney Fernandes
segunda-feira, 29 de junho de 2009
Lágrimas de São Pedro
Por um punhado de vida
No centro, sua dificuldade em ver a beleza de estar exatamente assim: no limbo dos rumos, na tranversal das perspectivas, com o hálito de bebida alcóolica daquele último final de semana. Perdido só está, aquele que em algum momento obteve direção, rumo, ordenamento.
Desarrumando o passado, sentia-se novo em folha, como se tudo fosse possível. Trocaria essa infinidade angustiante de possibilidades, os elogios nublosos e os tapinhas nas costas recheados de bons futuros, por um punhado de vida que lhe coubesse na mão. E assim, pudesse ir gradualmente mergulhando e desesperando-se com a vida, sabedor de cada grão perdido e sem segunda chance para ser vivido.
Sem esse punhado de vida, pelas mãos vazias escorriam rios de uma solidão a transbordar os dias. Sentia a solidão como uma aceleração brusca no relógio, mas que passa cada segundo numa profunda lentidão. Na solidão se envelhece. Nos outros instantes, se amadurece.
Recolheu aleatoriamente os pedaços e colocou no bolso da calça jeans desbotada. Descalço, tentou medir seu limite, mas não soube precisar as fronteiras. Ao sinal de um desconforto, meteu as mãos nos bolsos para disfarçar o tremor dos medos que lhe impedia caminhar como antes.
Imagem: Wolney Fernandes
Atribuições para um currículo sem fins profissionais
Faço vitaminas coloridas. Sei fazer docinho de leite ninho e lavo louça com alegria e propriedade.
Sei dançar, invento coreografias desengonçadas, sem muito compromisso, mas muita responsabilidade com a alegria, com o suor, com o que há de ritualístico na dança. Forjo meu corpo e sou capaz de passar por bom dançarino em diversas situações.
Sei dizer dos filmes em cartaz e carrego comigo uma coleção deles. Todo dia bato ponto em banca de revista e caminho perdido em canções de bolso.
Beijo e me permito. E do beijo, vem o prosseguimento. Sei permitir as paixões através do corpo. Os carinhos na trajetória do desejo, torta, tonta, sedenta. Ao prazer, o sentimento pede plenitude.
Sou do interior, goiano, às vezes meio chato, as vezes meio tímido. Trabalho em finais de semana (não todos, porque preciso não-fazer-nada de vez em quando).
Imagem capturada em http://www.pcsilva.eu/curriculum-vitae/
Desafio 08
sexta-feira, 26 de junho de 2009
"Is the end"
Achado e Perdido
quarta-feira, 24 de junho de 2009
Em dias de saudades
Distâncias
segunda-feira, 22 de junho de 2009
domingo, 21 de junho de 2009
Desafio 07
Desafiante da semana:
Adriano Antunes
Tema:
Montou no rosto seu melhor sorriso, angulou a sobrancelha, atirou o cabelo por cima dos ombros entrando no bar com desenvoltura profissional. Subiu os degraus da escada em direção ao ambiente reservado. Centenas de olhos seguiram seus movimentos e satisfeita saboreou seu poder. Corpos se acotovelaram em paredes geladas abrindo espaço para a Vênus que, atrevida, distribuía olhares e sorrisos de panfletos.
O salto nem havia abandonado o último degrau e uma taça já lhe era ofertada e que foi rapidamente aceita. Diana sabia que seria mais fácil após algumas taças. E foi.
A música embalava conversas divertidas. As pessoas articulavam com fluidez. Olhares eram trocados, uns discretos, outros insistentes. Ela, rodeada de admiradores, tentava mantê-los hipnotizados com seus encantos de sereia. Seu canto era o perfume que exalava e que animava o jogo. Todos tentavam saber quem era a desconhecida, inclusive ele, mas diferente dos outros, manteve-se afastado.
Entre conversas, mirava a estrangeira com desejo e timidez estudada. Parecia, também, um profissional. Estava marcado o duelo e ela, como fêmea que era, insinuava o desejo de ser domada, mas antes do fato, pretendia divertir-se com a manipulação do tempo. Foram muitos os roçares, os toques descuidados, os olhares cúmplices e as promessas sugeridas, mas para manter a emoção, prolongaram a expectativa.
Uma nova taça de champagne, meia dúzia de risos pueris, um morder de lábios e ela sucumbiria ao encanto do jovem rapaz sem culpa.Adaptaria seus planos. Aproveitaria o interesse do galanteador, desfrutaria de seu corpo, e como um competidor, abandonaria a caça. Como troféu, levaria consigo as súplicas por um segundo encontro que, isso ela sabia bem, jamais aconteceria.
Ele estufou o peito, ajeitou a camisa, traçou com os olhos uma linha imaginária até ela e começou a andar. O coração de mulher que nela vivia, e que naquela noite havia feito as malas para curta viagem, resolveu ficar estacionado na saída de emergência: o estômago. As pernas ficaram inquietas ao vê-lo chegar tão perto, tão determinado.
Nesse instante, separados por pouco mais de um passo, uma mão delicada retirou a ponte que ligava os olhos dele aos lábios dela, puxando a atenção para si. Como quem acorda de um transe, ele viu ao seu lado uma linda jovem que sem perceber o que acontecia traduziu em um beijo todo o afeto que sentia. E ele imediatamente retribuiu à altura.
Ainda sedento de desejo, ele continuou a mirar Diana por cima do ombro da amada. A pele morena que apoiava seu queixo escrevia a palavra meu em cada centímetro do ombro perfeito.
(...)
Diana, sereia, não canta, não mais encanta, mergulha.
(...)
Deu por finda a caçada. Sem glória, mas ainda majestosa, desceu a escada com a mesma desenvoltura e o mesmo alarido da subida. Partiu na noite escura, desfazendo sua silhueta nas sombras e deixando a dúvida de sua presença.
Em lençóis, de branco óptico, Diana dorme o sono dos puros. Ao lado da cama, em cima da poltrona, as armas usadas na batalha. Vê-la assim, trança no cabelo, camisola de dormir, rosto nu, torna impossível crer no que seja capaz de fazer.
E, por certo não o faz, não por medo, por pena ou consciência, mas porque consumar a conquista seria a obrigatoriedade do prêmio, e para ela, saber que ele esteve tão próximo de arriscar tudo, e iria fazer; tinha certeza, mesmo amando o amor moreno, lhe satisfez por completo.
(...)
Embalada por seu canto de sereia, Diana adormece em sono de Vênus.
(.)
Cenografias verdadeiras
quinta-feira, 18 de junho de 2009
Respigador do tempo
segunda-feira, 15 de junho de 2009
Desafio 06
Desafiante da semana:
Wolney Fernandes
Tema:
sábado, 13 de junho de 2009
Das tramas do olhar
sexta-feira, 12 de junho de 2009
Desabotoar possibilidades
quinta-feira, 11 de junho de 2009
Pelo correio
segunda-feira, 8 de junho de 2009
Desafio 05
Adriano Antunes
Tema:
E1
Encenada rotina
Elenco de peça sem platéia
Empalidecida guirlanda de flores murchas
Enfadonhas folhas mortas
Espalhadas pelo chão
Eco de um monólogo em céu cinzento
Elo perdido
Espaços nus.
E2
Emprazado destino
Emaranhadas estradas bifurcadas
Encontro de Esquina
Entrou pela porta dos fundos
Enquanto eu distraído
Esperava em silêncio, na porta da frente.
E3
Endoscopia emocional
Efeito químico
Encaixe preciso
Ebulição subcutânea
Eclipse dos sentidos
Éden nos lábios.
E4
Enlace perfeito.
Eu e você...
SEmprE
sexta-feira, 5 de junho de 2009
Palavra encarnada
segunda-feira, 1 de junho de 2009
Homem incomodado
Sou um homem que ainda desconhece questões relativas à própria auto-estima e que, vez por outra, ainda se esconde do espelho. Sou um homem incomodado que ao tomar consciência de sua situação de 'incomodado em relação a si mesmo', num primeiro passo, chegou a escrever um blog e algum tempo depois percebeu, não com pouco custo, desolação e desespero, que em fato ele simplesmente é incomodado.
Sou um homem incomodado que no cinema faz cara feia para barulhos. Sou um homem incomodado que tenta (com sucesso?) manter algum anonimato. Sou um homem que, nesse instante, propõe-se apenas a constatar-se um homem pequeno, colecionando um pouco dos seus tropeços, no intuito de conseguir em algum momento, uma maior compreensão sobre sua trajetória.
Imagem: Wolney Fernandes
Itinerário de final de maio
Desafio 04
Tema:
"Há venenos tão sutis, que, para os conhecer, cumpre experimentá-los. Há males tão estranhos, que, para lhes entender a natureza, é preciso contraí-los."
(Oscar Wilde)
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De Wolney Fernandes, cONTEM
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De Adriano Antunes, O vidro Azul.
- Senhor, infelizmente não é sabido a procedência. Para falar a verdade, nem mesmo quem o tenha trazido para cá. Trabalho aqui há dez anos e de fato, é a primeira vez que presto atenção nele. – percebendo o que havia acabado de falar, acrescentou – O que sei, e que fique só entre nós, foi o que me contaram. Uma indelicadeza minha, por certo, dizer isso, mas que não tira o charme do little blue, não é mesmo? – corrigiu rapidamente.
Os olhos de Henry, treinados para detectar rapinas, espremidos em longa análise, suavizaram ao olhar novamente para o pequenino frasco sobre o fino suporte de veludo negro. Parecia ainda menor visto assim, de perto. Girou o cristalino vidro azul turquesa, fez uma breve pausa, mais para admirar do que para decidir, e dirigindo-se a faustosa balconista, sentenciou:
- Podes embrulhar.
Naquele instante, Henry teve a certeza que era ele. Há longo tempo procurava por uma rara combinação e, depois de infrutíferas tentativas, finalmente sentiu ter encontrado algo que o completava de forma inacreditavelmente plena. A procura havia acabado.
(...)
Como fazia todos os dias, Henry caminhava tranquilamente pela Rua Saint Anthony em direção ao trabalho e distraído observava a luminosidade da manhã que revelava prédios e fachadas, projetando sacadas que sorriam empilhadas umas sobre as outras. Estava absorto nesses desenhos de luz e sombra quando, sem saber exatamente o porquê, atravessou a rua em direção a luxuosa loja de perfumes Desire.
No centro da vitrina, um grande vidro dourado imperava em seu trono, reinando absoluto, cercado de súditos de todas as cores e tamanhos. Henry suspirou. Procurava por algo especial, e como tal, esperava que fosse diferente de tudo que já havia visto. Aquele ostentoso vidro nada significava e os outros, todos velhos conhecidos, despertavam nele apenas o tédio.
Virou as costas para a vitrina, disposto a seguir seu costumeiro caminho, mas num deslizar de olhos, por cima do ombro, notou um brilho turquesa bem ao fundo da caixa de vidro. Tão pequeno, tão discreto, que em outros tempos, num outro dia, teria passado despercebido. Aproximou-se até encostar a face no gélido vidro. E lá estava ele, quase esquecido, um frasco limpo, de estrutura forte e nem um pouco apelativa, com um pedido de me leve nos olhos e a promessa de não te arrependerás inscrita na tampa. De longe o mais lindo.
Henry entrou, pediu especificamente pelo vidro azul e recebeu um irônico sorriso da balconista que não conseguia esconder a decepção, pois pretendia vender seu centésimo exemplar do gigante imperador. Sobre um suporte de veludo, no balcão, ela depositou o pequenino vidro com delicadeza planejada. Olhou apática para Henry. Um homem esguio, bem trajado, de traços fortes e olhar perdido. Um pretendente de respeito, mas segundo ela, com um defeito sério: péssimo gosto para perfumes. Ele, por sua vez, observava o frasco em silêncio, mas com o coração aos berros.
A balconista, em gesto calculado, retirou a tampa e ofertou o perfume a Henry que pegou o vidro com cuidado e levou até a altura do nariz. O azul turquesa transparente permeava promessas concretas. Inspirou vagarosamente. Círculos concêntricos de plenitude lhe entraram pelas narinas e Henry sentiu por um segundo o cheiro de Deus.
A balconista não desistiu de sua tática, acrescentando ácida.
- Muito, muito sensível; senhor. Esta combinação não está..., como posso dizer..., não é procurada com freqüência. Não está mais na moda. Colocamos ali por tratar-se do único exemplar que temos e possivelmente o único no mercado. Dizem até que não é mais produzido.Henry não registrou o que ela falava em tom forçado.
(...)
- Pronto senhor. Aqui está. Desejo-lhe sucesso e um ótimo dia.
- Terei, com certeza terei. Obrigado.
Quando saiu, o sol já havia tomado conta de toda a rua e brilhava em uma intensidade jamais vista. Resolveu retornar à sua casa. E lá chegando, colocou o vidro em local seguro e foi se banhar. Precisava tirar do corpo qualquer agente que distorcesse o incrível buquê de sua muito desejada aquisição. O mundo, que insistia em ignorar seus sentimentos, que esperasse.
Voltou animado, e despido, borrifou um pequeno jato no ar, deliciando-se com o toque das gotículas que eram absorvidas pela face, pescoço, ombros, peito, e escorregavam até as coxas. Deitou-se, ainda nu, em uma poltrona de couro confortável. Adormeceu ali, acariciado pelo toque do couro contra a pele e embevecido pelo cheiro da felicidade no corpo, sonhando com anjos de asas azuis suspensos em um céu de partículas peroladas.
Já se fazia noite quando acordou. Procurou no corpo o vestígio, o cheiro, e percebeu que ele já havia partido. Tentou localizar o frasco. Viu que permanecia em local seguro. Então, viciosamente, sucumbiu ao desejo e vestido apenas com aquelas gotas de cheiro, voltou a sonhar.
Mas, novamente ao acordar, constatou que como das outras vezes a pele jazia vazia. Ele havia esperado o sono para partir as escondidas. Aflito, ministrou uma terceira dose, e uma quarta. Tudo igual. Então, a imagem da balconista lhe veio à mente, enquanto sua voz repetia em velocidade distorcida:
“Muito, muito sensível; senhor. (...) Colocamos ali por tratar-se do único exemplar que temos. (...) Possivelmente o único no mercado. (...) Dizem até que não é mais produzido."
Os olhos de Henry injetaram-se desesperados. Um aperto no peito dificultava a respiração. Havia provado o gosto doce de um veneno letal. Tornara-se dependente. Fraco. Perdido. Fechou o vidro. Desejou não tê-lo encontrado, assim, de certa forma, poderia manter a ilusão de um dia ainda encontrá-lo. Mas o abismo insistia em sugar seus pés pelas unhas.
Em um movimento brusco, como quem foge para salvar a vida, colocou o frasco de azul cristalino turquesa dentro da gaveta da cômoda e a chaveou apressadamente. Sem pensar, foi até a janela e arremessou a pequena chave o mais distante que pode por sobre os telhados do outro lado da rua, sentenciando ali seu fim.
(...)
Então, no pequeno apartamento, se tu pudesses entrar, encontraria Henry excluído do mundo, adormecido da vida, nu sobre a cômoda com as narinas próximas ao buraco da chave, na distância mais segura que havia encontrado entre sua salvação e sua morte. Jamais foi sabido quem tenha durado mais.
*
Nos teus olhos
De cristalino azul turquesa
O fascínio das águas
E o medo da correnteza
(.)