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domingo, 30 de outubro de 2011

Instantes Possíveis

Um gesto que o olho percebe, um sorriso não ensaiado, uma dor que não tem nome, um pensamento fugidio... reflexos soltos, instantes espontâneos e fugazes que, registrados, tornam-se preciosos, vitais. São instantes de liberdade... são instantes possíveis.

E essa vontade enorme de segurar forte, de não deixar escapar nenhum destes instantes, de possuir cada cheiro que eles ventilam. Essa vontade eu sempre quis pra mim. Por isso pego imagens, músicas e poesias emprestadas, arrisco algumas novas porque, nos mínimos detalhes, eu quero me traduzir.

Mas não adianta! Em cada chance que eu tenho de exercitar meu ato inocente de me possuir, o tempo me arranca. Como em uma brincadeira de esconde-esconde, tendo me moldar em frases curtas e imagens sem foco. Tento agarrar a memória do que eu era... do que eu sou.

Paro um momento e faço silêncio porque daqui a pouco tudo muda e acabo me sujando com o barro molhado que vivo tentando moldar os pensamentos escritos aqui.

Não tenho certeza se esse é um texto sobre os labirintos que desenham meu campo de desejos. Para tanto, falta um pouco de ironia, um pouco de brincadeira, de poesia e sagacidade. Na verdade o 999º texto deste blog é só pra dizer que estou construindo um rosto novo para meus instantes. Um texto sobre arrumações de toda ordem.

Para marcar a milésima postagem, programada para o próximo Dia dos Mortos, faço questão dos ritos encharcados de afetos e das brincadeiras que tiram sorrisos do olhar. Uma única certeza para um monte de dúvidas que continuarão descritas aqui, ao sabor de minhas vontades... a todo instante.

Foto: Wolney Fernandes

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Isto e Aquilo

Foi assim em 1991, 1994, 1997, 2000, 2004, 2009 e agora: navego em uma sensação muito forte de que esse tempo é próprio das transições. Meus ritos pessoais de passagem não são fáceis e eu nunca decoro a cartilha das escolhas. E olha que nem estou falando daquelas entre o bem e o mal, mas toda pequena escolha [água com ou sem gás? camisa vermelha ou azul? casa ou academia? direita ou esquerda?...] ainda carrega um tantinho de dificuldade.

"Ou guardo o dinheiro e não compro o doce, 
ou compro o doce e gasto o dinheiro.

Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo...
e vivo escolhendo o dia inteiro!

Não sei se brinco, não sei se estudo,
se saio correndo ou fico tranquilo".*

Cecília Meireles que me perdoe, mas melhor do que "Ou isto ou aquilo" seria "Isto e aquilo".

Pensar sobre as transições me deixa com vontade de silêncios. Continuo completamente normal por fora, mas por dentro coisas graves acontecem. Muitas vezes coisas até obscuras, dessas que não se revelam em realidade. Destas que tiram a vontade de atender ao telefone ou dizer bom dia no trabalho.

Em dias assim evito o espelho. É que perder a inocência nada tem a ver com a primeira vez. É original a cada troca de pele, a cada nova folhagem. Fico sério quando estou só, mas também experimento uma felicidade bem particular. Um estado de espírito quase egoísta, que não se permite compartilhar. E assim, me fecho sem chaves, procurando me revelar quase inteiro pra mim.

Foto de Jesús González. Olhei aqui.
(*) Trecho do poema "Ou Isto ou Aquilo" de Cecília Meireles

terça-feira, 18 de outubro de 2011

A vida em coisinhas de nada


- "Estranho seria se você, adulto, gostasse do Justin Bieber. A música dele não é feita pra você!" Ao ouvir isso em uma entrevista pela TV, eu até entendi, mas estranhei. Só se pode gostar de coisas feitas para a idade da gente?

- Atravesso a rua e ouço o motorista buzinar insistentemente em frente ao prédio.

- A beleza dela é daquelas difíceis de descrever, mas aquele vestido verde e aquela boca cor de goiaba só podia ser combição para que todos os olhares se voltassem para ela.

- A música que você adora foi parar na novela das oito e ainda tem gente que não gosta de saber da notícia.

- Comprei a capa para o celular às 10h30. Às 11h, sem perceber, joguei a sacolinha com a capa novinha no lixo! Voltei ao meio dia para ver se ainda a encontrava, mas já tinham recolhido o lixo às 11h45.

- E o motorista insiste em buzinar em frente à portaria, mesmo o prédio tendo 104 apartamentos.

- Pergunto ao moço da banca se a Revista Trip deste mês já chegou. Ele diz que não e me indaga: "Só hoje, você é a quinta pessoa que procura por esta revista. O que ela tem neste mês que todo mundo quer?" - Eu sorrio por dentro e digo bem tranquilo: "Dois homens se beijando na capa".

Imagem: Capa da Revista Trip do mês de outubro de 2011 cujo tema é a diversidade sexual.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O alvo que eu escolhi ser

Havia um tempo, e não faz muito, que meu sorriso não tinha vincos nos cantos e sabia ocupar-se da língua, sempre insana.
Havia um tempo, e não faz muito, que a minha boca, destemperada em sua cor de nascença insistia em buscar semelhanças em outras bocas, outras moças, outros moços, outros tantos, comunhão.
Havia um tempo, e não faz muito, que meu corpo rijo oferecia céus e infinitudes, e sabia correr o estado do risco, e sabia parar sob ordens que só ele, ele mesmo, dava a si.
Havia um tempo, e não faz muito, que vivia o meu coração gerando as ideias que minha cabeça executaria sem pudores.
Hoje, reservo dores para os começos. Vou vivendo. Troco dias por cicatrizes. No final dos tempos, vou ser um mapa delas, cada uma indicando um caminho, uma trincheira, uma saraivada de tiros em posição de alvo. O alvo que eu escolhi ser.

Foto: Wolney Fernandes

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

Musa


O adolescente dentro de mim parou de dançar uma música legal e ficou olhando pra TV sem som, assistindo aquele filme da sessão da tarde de 25 anos atrás. Como era fácil olhar para a Molly Ringwald sem ter que pensar no dia seguinte. Meu erro de adulto é querer continuar procurando os sentidos. Por que eu simplesmente não saio assoviando e pensando nas sardas da Molly, como se os assuntos estivessem resolvidos? Por que não?

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Tudo vai dar certo?

Tudo errado. Passo o dia com aquela vontade de passar o dia de boca aberta, perguntando "por quê?"
Daí um passarinho bem miudinho pousa na minha janela.
E não importa mais que esteja tudo errado. Não importa mais o corte de cabelo ridículo e estas medidas inexplicáveis.
O passarinho pousou na minha janela.
Mesmo que tenha sido só nos últimos acordes da música, posso considerar um sinal de que tudo vai dar certo?

Foto: Wolney Fernandes

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

A beleza dos finais

"Além da Estrada" é um daqueles filmes que transcorre sem os rompantes típicos dos dramas hollywoodianos. Para ver o filme, assim como os protagonistas, é preciso ter tempo para simplesmente sentar à beira do caminho e apreciar a paisagem. O filme traz lugares e ambientes incríveis garimpados na geografia do Uruguai.

Apesar de ser um road movie, o roteiro não se resume apenas em mostrar os lugares por onde transitam Santiago e Juliete - dois jovens que passam dos desconhecimentos aos apaixonamentos pelo ritmo do encontro com as pessoas que habitam aquelas paisagens.

Além de silencioso, o filme possui um dos finais mais evocativos e poéticos que eu já experimentei. Foi à partir dele que me veio a ideia de listar aqui os cinco finais mais bonitos que eu já vi no cinema. Para quem não gosta de spoilers, recomendo que pare de ler a postagem aqui. Aos que já conhecem os filmes listados a seguir, deixem sua opinião. Adoro listas quando delas brotam conversas sem fim.

Além da Estrada (Por el Camino, 2010)
Santiago e Juliete fazem planos para o futuro enquanto caminham por uma ponte inacabada. A continuação de suas histórias permanece imprecisa como a vida. Junto com os passos dos protagonistas, espaços são articulados para além do previsível, dando a nós, espectadores, a possibilidade de completar aquela ponte de possíveis...

Antes do Pôr-do-Sol (Before Sunset, 2004)
Jéssie e Celine se reencontram em Paris, nove anos depois dos acontecimentos do primeiro filme. Como antes, eles têm poucas horas antes que o voo dele parta de volta para os Estados Unidos. Nos minutos finais, Celine dança imitando Nina Simone e diz com a voz rouca: "Baby, você vai perder aquele avião!". Ele responde com um sorriso nos lábios: "Eu sei!" - Ela continua dançando...
Veja a cena aqui.


Abril Despedaçado (2001)
Uma rivalidade familar cria um ciclo de mortes onde a hora de matar ou morrer é determinada quando a mancha de sangue da camisa do rival amarelar. A tradição é encerrada quando o irmão mais novo troca de lugar com o irmão mais velho e é morto. O engano desfaz o ciclo. Tonho, libertado pelo irmão caçula, segue ao encontro do sonho em uma cena em que vê o mar pela primeira vez.
Veja aqui.

Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças (Eternal Sunshine of the Spotless Mind, 2004)
Depois de se submeter a um procedimento que apagaria as lembranças de sua ex-namorada, Joel decide que não quer esquecê-la. A decisão é tomada no meio do processo e ele tem que esconder as memórias que tem de Clementine em algum lugar do seu cérebro. No fim, um [re]encontro acontece e eles travam um diálogo, que não precisa de maiores explicações:
"-Não consigo ver nada que eu não goste em você.
Agora não consigo.
-Mas verá! Mas verá.
Sabe, você vai pensar nas coisas, e eu vou me entediar com você e me sentir presa, porque é isso que acontece comigo!
-Tudo bem.
-Tudo bem."
Para ver a cena inteira, clique aqui.

O Céu de Suely (2006)
Depois da rifa cujo prêmio é uma noite de amor, Hermila deixa o filho com a avó e parte do Nordeste para o Sul do Brasil. Da janela do ônibus, ela vê João que segue o veículo em sua motocicleta. Ao atravessar a placa que diz "Aqui começa a saudade de Iguatu", os dois somem estrada afora. Depois de minutos de um silêncio cortado apenas pelo canto de passarinhos vemos João voltar na sua moto. Sozinho.
Veja aqui.