Querida Sofia,
Ando com uma sensação de que coisas estão acontecendo em sequência. Uma percepção de que fatos se encadeiam e preparam um grande acontecimento. Como uma teoria da conspiração dos sentimentos. Desenfreados e ofegantes como sonhos recheados de realidade. Um se misturando ao outro.
Só você entende as vias tortuosas da minha alma paradoxal e sabe que para mim, sonhar é uma coisa séria. O Freud, o Jung, os astecas, os gregos e troianos, todo mundo já se maravilhou, interpretou, se surpreendeu ou tentou entender essa coisa de dormir e sonhar. Mas aqui eu falo daqueles sonhos que se sonha de olhos abertos, em pleno dia, em momentos especiais. Não sei bem a razão, mas já reparou como esses não recebem tanta atenção como os primeiros e, ao contrário, são por vezes considerados sonhos de segunda?
Você, assim como eu, deve ter ouvido muitos "seja mais pé no chão", "menos, Sofia... menos!" e outros apelos ou chamados para a (sempre) tão dura realidade. Hoje entendo que sou "sonhador de segunda", daqueles que as pessoas desenvolvem um misto de admiração e pena, porque se julgam melhores por lidar com a vida real, como se o concreto as confortasse. Infelizmente elas preferem ficar do lado de lá do palco. Lá onde os papéis são mais dolorosos, onde não há faz de conta nem trocas de papéis. Lá onde as falas se perdem, onde os diálogos não são compreendidos em toda sua importância, onde os mortos não se levantam e agradecem aos aplausos no final, sem momentos intrépidos, sem iluminação especial, apenas um sol e uma lua que já não são suficientes. Lá onde a realidade reina absoluta. Lá onde eu não quero estar.
Eu não quero esquecer meus próprios quereres, e nem procurar soluções rápidas para uma vida sem sentido. Desejo olhar para meus próprios sonhos e não me assustar ou fingir que não os vejo. Quero rir com eles e de olhos e coração arregalados experimentá-los como gosto de baba de moça, brigadeiro e jujuba.
Sinceramente não quero mais usar o futuro como pauta para minhas proposições oníricas, uma vez que elas já permeiam minha realidade como perfume de alfazema e jasmins. Sim! Os sinais são muito evidentes, pois todos os meus sentidos começam a fazer sentido. Dá pra ter esperança se eu entender esperança como o fio que alinhava meus sonhos à minha realidade. Uma costura possível de se fazer.
Beijos daqui das nuvens para você!
P.S.: A imagem desta carta é a capa do novo livro que ganhei hoje. Temos lido juntos (um para o outro) nos finais das tardes de domingo sentados no parque. Os livros infantis nos entrelaçam em cores variadas, revelando almas infantes e particularidades que transformam os olhos em conchas translúcidas de matizes incompreensíveis. Crianças sonhadoras percorrendo a imensidão dos campos de aveia.
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