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quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Lágrimas de aquarela

Ontem eu chorei.
Lágrimas me escapam com freqüência, mas eu quase nunca choro pra valer. Não é uma escolha consciente, algo que faça baseado em besteiras do tipo “homem não chora” e outros tabus. Todavia, o estopim de minha crise de choro foi a angústia de uma madrugada às claras. As impermanências desse solo movediço por onde caminho prenderam minha alma e uma rara inquietação revirou minhas entranhas...

Era tarde. De repente, com um movimento brusco, sentei-me na cama e desatei num choro descontrolado. Fui invadido por um sentimento doído, como se o último vínculo que eu tenho com minha infância estivesse para ser enterrado em poucas horas; Como se tudo que eu fui e sou estivesse com um prazo de validade etiquetado em um idioma por mim incompreensível. Chorei por antecipação por tudo o que eu não vivi e por tudo o que não vou viver. Pelo medo de ficar só. De terminar apenas meio e não inteiro.

As lágrimas me venceram. Choro quando não consigo mais racionalizar a minha dor, seja por insuficiência da própria razão, seja por entregar as armas cansado demais para lutar com esta minha teimosia. Muito das minhas dores acabo parcelando em silêncios, textos, imagens, conversas comigo mesmo e outros escapismos rasos e internos. Se a coisa toda for muito bem distribuída, o choro se perde no limbo das tristezas. O resto é liberado em lágrimas explosivas. E é justamente por isso que eu possuo crises de choro. Crises! Não é algo que eu consiga pressentir como a grande maioria. Isso deve ser um reflexo de como eu lido com tais situações. Se eu não consigo racionalizar algo, eu choro.

“Preciso chorar mais”.

Ocorreu-me agora que isso não deve ser algo que se trace como meta. Ontem eu chorei porque, dentre as milhões de palavras e sentimentos existentes do mundo, eu não fui capaz de encontrar uma sequer que pudesse me servir de consolo. Eu que sempre esperto, com tantos discursos lógicos e otimistas, não construí argumentos convincentes o suficiente para me impedir de concluir certas verdades sobre mim mesmo e minha vida.

Há de ser bom, de alguma forma, saber que chorar pode ser uma resposta válida para questões aparentemente sem alternativas. E sendo assim, aceito com um certo alívio o fato de que absolutamente nada está sob o meu controle: seja essa impermanência, as distâncias de dentro e de fora ou um pingo de aquarela sobre o papel.

Imagem retirada do "Diário de Frida Kahlo - Um íntimo auto-retrato".

2 comentários:

Deire Assis disse...

silêncios necessários.

Anônimo disse...

é todo ser humano de vez em quando precisa chorar suas mágoas, depois de uma tempestade,o sol vem depois e tudo será bem melhor.