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quarta-feira, 22 de julho de 2009

Aguardando navios impossíveis

Dia desses, era 2044. Eu, com 70 anos, falava sobre o ausente, contava das tintas do passado. Caminhava pela casa que abrigava minhas obras, acarinhadas à luz que entrava entardecida pelas janelas.

Ao olhar pra fora, minhas calmarias pareciam preceder tempestade, faroleiro a aguardar navios impossíveis, sem chegadas. Abria o coração de fundas gavetas de onde escorriam lembranças em forma de cartas, cadernos de esboços, desenhos, estudos, agora, latentes de passado. Tudo era. Tudo tinha sido.

Pulsava em mim um coração entremeado de orgulhos e arrependimentos, sorrisos mudos, de tradução impossível. Pelos cantos, liam-se fragmentos que me pertenciam. O vinco vertical que escorria dos meus próprios olhos era medo do vazio. Era fundo o solitário espaço da criação. O singular do copo, do prato, da xícara, sem truques, sem rumores, sem amores. Só pudores.

Tonto pelo salpicamento de muitas perguntas, gritei para alguém me acordar!

Imagem: Wolney Fernandes

Um comentário:

Naira disse...

Eu gritei pra você fazer Mestrado. Gritei pra você abrir um Blog. Já gritei pra você publicar um livro e ainda estou gritando!