Meu olhar de turista, desajustado, encontra repouso naquilo que é fugaz. Esse mesmo olhar, cansado das permanências, na maioria das vezes já não consegue brincar nos museus e nem ouvir com atenção as repetidas explicações pedagógicas dos guias diante dos grandes monumentos.
Em artimanhas imprecisas, meus olhos se iluminam em cantos, detalhes e texturas abandonadas, onde o tempo desenha marcas mutantes a cada nova mirada. Me interessa olhar para a vida que acontece pelas frestas do cotidiano e, tão só, me deixar surpreender.
A mulher no canto do metrô pinta com rímel os cílios já carregados de tinta. Os números do portão, desenhados à mão, delineam outros modos de escrita e a cor contrastante dos carros estacionados em direções opostas me roubam instantes de puro contentamento.
Foi assim nos dias que estive na Cidade do México. Por tantas vezes, marquei o mesmo trieiro só para ir [re]descobrindo nuances novas em lugares já visitados: o mercado da Ciudadela, a Casa da Frida Kahlo, a Feira de Antiguidades, as ruas da Zona Rosa...
As tardes em museus eu troquei por passeios de carrossel, as fotos dos grandes monumentos eu substituí por imagens dos engraxates e as cores que me tatuaram vieram das bandeirolas recortadas em papel de seda. Meu lugar de descanso era a sombra das laranjeiras plantadas em pátios desconhecidos.
Os estranhamentos, tão comuns em viagens do tipo, também fazem parte do aprendizado que os olhos me proporcionam. Cada cabelo cuidadosamente esculpido em gel ou aplique virava meu pescoço. O trânsito, terra sem lei, ressignificou a palavra "caos" e o Vale das Bonecas tornou real um passeio de encantamento. Os cheiros fortes fizeram meu estômago dar cambalhota por diversas vezes. A ardência da pimenta e o feijão no café da manhã tornaram meu paladar um tanto seletivo.
Sabores, cores, odores e amores remexidos eram refletidos em corações de lata que ornavam as portas das casas. Cravos vermelhos pelas esquinas deixaram meus olhos com aquela vontade de ficar mais um pouquinho para dançar em animadas festas descobertas nos becos da cidade.
Meu olhar de turista, mesmo depois da volta, parece refletir o brilho dos deslocamentos em nuances que a boca não consegue pronunciar. Como quem chega do "Umbigo da Lua", despido da armadura e vestido de [des]conhecimentos, o retorno mostra saudades e vontades que, em pulsação tranquila, podem desenhar realidades.
Fotos: Wolney Fernandes e Rosi Martins
Um comentário:
Como diz Maria Bethania, em "Brasileirinho": 'Felicidade se acha é em horinhas de descuido"... Parabens por viver tudo isso.
Postar um comentário