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quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

Maratona Literária - A Tentação do Impossível*


Aproveitando os dias de pernas pro ar, resolvi fazer uma maratona literária que consistiu em ler um livro por dia durante dez dias. A ideia principal foi tirar o atraso com leituras que eu gostaria de ter feito há tempos e não consegui. A escolha dos títulos para a maratona obedeceu ao seguinte critério: escolher livros recebidos de presente e que não ultrapassassem 120 páginas (que é a média de páginas que consigo ler, com tranquilidade, em um dia).

A maratona terminou hoje e no geral foi bem tranquila. Excetuando, é claro, a leitura do livro "A Obscena Senhora D" da Hilda Hilst que precisou de dois dias para ser lido. Como foi o primeiro livro que eu li da Hilda, não imaginei que fosse precisar de pausa para digerir todo o furacão de emoções advindos da escrita visceral da autora. No entanto, acabei por correr um pouquinho no dia seguinte e tudo se ajeitou. Gostei da experiência e pretendo repeti-la num futuro próximo. Abaixo segue o resumo das impressões sobre cada um dos livros lidos. Uma espécie de diário que eu fui compartilhando, durante a maratona, na minha timeline lá no Facebook.


Dia 01. Festa no Covil
Autor: Juan Pablo Villalobos
Um garoto, filho de um chefão do narcotráfico mexicano, narra seu cotidiano solitário entre as atividades comandadas pelo pai. O modo como o autor decidiu contar essa história de violência pelo olhar de um menino é o que faz toda a diferença. A narrativa é tocante e, por vezes, hilária, alternando entre a candura e a crueldade. Uma beleza de começo!

Dia 02. O Menino do Dedo Verde
Autor: Maurice Druon
Acabei de preencher uma lacuna na minha história como leitor ao concluir a leitura desse livro que é repleto de imagens evocativas sobre o modo de atuarmos no mundo. Escrita deliciosa, inventiva e que serve tanto para crianças quanto para adultos. Miraflores já é meu lugar preferido e o jardineiro Bigode eu também seguiria por todos os lugares possíveis. Achei bonito!

Dia 03. O Púcaro Búlgaro
Autor: Campos de Carvalho
Estranhamento é a palavra de ordem quando se começa a ler esse livro. Sua narrativa surreal nos coloca diante de personagens que nem de longe beiram à realidade, mas nem por isso, são enfadonhos. Pelo contrário, é exatamente as peculiaridades de uma história sem pé nem cabeça que faz do livro uma leitura singular. Na trama, o autor, querendo provar a existência de um púcaro búlgaro, decide recrutar voluntários para uma expedição para a Bulgária. Em grande parte do livro, acompanhamos um diário que nos conta os pormenores dessa preparação em um texto regado à muito humor negro e uma crítica afiada ao modo de vida do brasileiro em 1964, ano em que o livro foi escrito. Ri alto com a ousadia do autor que, entre outras pérolas, propõe um jogo sagaz com a língua portuguesa. Genial, genial!

Dia 04 - Casa 12
Autora: Letícia Constant
O livro é uma espécie de diário onde a autora, assumindo a voz de menina, relembra fatos da sua infância vivida em São Paulo no final dos anos 50. Cotidiano familiar, galeria de amigos, brincadeiras em casa e na escola, relação com vizinhos e toda sorte de acontecimentos dão o tom da narrativa, por vezes, repetitiva. Me incomodou um certo tom machista que o livro tende a realçar quando fala do papel da mulher e seus deveres para com a casa e o marido. Pode ser alguma referência aos costumes da referida década onde se passa a história. No mais, o livro me pareceu um bom modo de guardar lembranças de um tempo que deixa saudades. Destaque para as ilustrações feitas com recortes de revistas antigas feitas por Elisa Cardoso.

Dia 05 (e parte do dia 06) - A Obscena Senhora D
Autora: Hilda Hilst
Livro lido para o desafio "Os Componentes da Banda"
A Senhora D do título passa a viver no vão de uma escada enquanto trava rituais especulativos acerca de votos amorosos e outros devaneios na busca de sentidos para a perda do amante. Uma narrativa perturbadora e cortante. Nada é facil dentro dessas 90 páginas, tanto que não consegui ler em apenas um dia como era a proposta inicial. Primeiro livro da autora e já fiquei instigado para ler outras coisas dela. Força, Wolney, Força!

Dia 06 - Um Beijo de Colombina
Autora: Adriana Lisboa
A escrita delicada da Adriana Lisboa eu conheci no ano passado quando li o ótimo "Rakushisha". Foi uma alegria reencontrar a autora nesse livro mais antigo e perceber que a delicadeza e os silêncios são características que também aparecem aqui nesta história de amor entre a escritora Teresa e um professor de latim. Pela voz do professor, acompanhamos um homem tentando entender essa relação e lidando com as presenças, as ausências e as saudades que lhe atravessam. Utilizando um recurso metalinguístico (que faz toda a diferença no final) nos inserimos na vida do casal com todas as nuances de uma relação tranquila, mas intensa. Tendo a poesia de Manoel Bandeira como fio condutor da trama, a escrita é surpreendente porque consegue falar das minúcias mais banais e fazer de cada uma delas, um evento... uma tessitura de reflexões. Seja pela poesia do Bandeira empregada de forma genial na narrativa, seja pela dor da perda ou pela beleza do encontro, as identificações foram tantas que, até agora, esse livro foi, sem sombras de dúvidas, a melhor leitura desse desafio. Recomendo!

Dia 07 - Podem me chamar de Simbá
Autor: Francisco Castro
Paulo é um menino com dez anos que conta a história de sua relação com o avô que tem Alzheimer. O livro é cheio de altos e baixos (mais baixos do que altos é verdade) e a relação dos dois acaba caindo nos clichês do gênero ao apresentar personagens unidimensionais. Como pano de fundo, há a história de "Simbá, o Marujo" que não funciona no decorrer da narrativa. Me incomodou também a escrita em primeira pessoa. Ao assumir a voz do menino de dez anos o autor se perde e não consegue convencer que se trata de uma criança contando a história. Enfim... até agora, o pior livro do desafio.

Dia 08 - O Potencial erótico de minha mulher
Autor: David Foenkinos
Apesar do título esquisito e da capa estranha, cheguei até esse livro porque li o ótimo "A Delicadeza" do mesmo autor. E foi uma leitura curiosa essa de agora porque a escrita é bem distinta. Apesar de diferente, não é uma escrita ruim, mas nessa obra, encontrei um Foenkinos muito bem humorado e com um pé no surrealismo (a apalpadora de testículos me fez dar altas risadas). Foi bem divertido ver como o autor consegue um tom diferenciado e bem mais apropriado ao tema. O que não funcionou muito desta vez foi o desenvolvimento da história. Gostei bastante do início do livro, mas depois achei que a história descambou para um lado que foi se distanciando cada vez mais do meu interesse. Na trama, depois de uma tentativa de suicídio frustrada (e isto não é spoiler porque está na primeira página do livro), Hector decide mudar sua vida. Colecionador compulsivo, ele começa a frequentar um grupo que o ajuda a superar o vício de ajuntar coisas até que encontra Brigitte, cuja sensualidade mexe com suas convicções mais remotas de colecionador.

Dia 09 - As Vozes do Sótão
Autor: Paulo Rodrigues
Damiano é um alfaiate que ouve vozes e, à partir delas, faz um mergulho em suas memórias atravessadas pelas dores experimentadas na infância. O livro é dividido em duas parte (uma se passa no Brasil e outra no Uruguai) reverberando deslocamentos, fugas e travessias interiores. A escrita de Paulo Rodrigues me surpreendeu bastante porque é sofisticada e dolorida. As diferentes vozes adotadas para um mesmo personagem, embora não lineares, funcionam como um fluxo confluente que estabelece cruzamentos interessantes no momento certo! Gostei mais da primeira parte do que da segunda, mas nada que comprometa a boa experiência de leitura. Uma grata surpresa nesta etapa final do desafio.

Dia 10 - Miserere
Autora: Adélia Prado
Miserere é o livro mais recente da Adélia Prado onde a poeta destaca fragmentos de uma relação entre aquilo que é divino e aquilo que é humano. O livro é respingado pela fragilidade da vida, por um sentimento de descompasso entre o corpo e o espírito e pela visão focada no cotidiano que é uma das característica da autora que eu mais gosto. Mais não sei dizer, só sentir.

(*) O título da maratona eu peguei do livro do Mário Vargas Llosa.
Foto: Wolney Fernandes

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