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quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Em Preto e Branco

Olhou dentro do armário e, quase que automaticamente, escolheu a camiseta marron com o número 17 estampado na frente. Era sua preferida, por isso estava gasta e até um pouco poída na gola. Não importava. Vestiu-a e passou a mão pelos cabelos escuros já abrindo a gaveta a procura do envelope. Parou diante do pequeno espelho do banheiro com a carta na mão. Se encheu de coragem, colocou-a no bolso da calça jeans e saiu porta afora.

Já na calçada, enquanto caminhava, foi tomado por uma coragem que desconhecia. Não iria usar a carta. Falaria tudo cara a cara. Assim, de um fôlego só derramaria as palavras aos pés da amada para que ela juntasse todas as frases que ele há muito guardava dentro do peito.

Não havia muitos detalhes naquele pequeno sobrado que abrigava vários apartamentos, tudo parecia ser velho e limpo. Portas muito grandes davam a impressão de se estar num casarão. Ele parou na esquina, ajeitou o cabelo em desalinho e, uma leve hesitação fez seu corpo estremecer. Enquanto caminhava até ali a coragem repentina foi diluída em seus passos largos. Subitamente, a porta se abriu e ela saiu apressada. Ele caminhou dois passos em direção a amada, mas ao pronunciar seu nome não escutou som algum. De repente a porta abriu-se novamente e um homem idoso saiu de lá com seu casaco velho de lã verde e sandálias que se arrastavam fazendo um barulho incômodo.

Sem pensar, entrou pela porta antes que ela se fechasse. O vento lá dentro ondulava as cortinas e os tecidos sobre os móveis anunciando uma possível chuva de verão. Subiu pelas escadas, procurou pelo número 115 pintado na porta e colocou o envelope debaixo do tapete deixando uma ponta aparecer. A coragem fora momentânea. Seria melhor assim. Covarde! pensou consigo mesmo a ponto de querer socar a parede por não correr até ela lá fora e se declarar.

Ouviu estalos de madeira com seus próprios passos, a porta da entrada bateu e logo descobriu Jesuênia subindo as escadas apressada sem sequer notar sua presença ali. O coração veio à garganta quando se esbarraram. A proximidade momentânea o fez apenas contemplar a imagem da amada sem que ela percebesse. Nunca ela lhe parecera tão bela quanto naquele momento. A sombra lhe dava contornos generosos e a vida naquele momento virou um filme em preto e branco. Muitos contrastes. Agora não conseguia ficar ali, precisava de ar. Um suspiro sofrido apertou-lhe mais que devia. Pensou em desistir. Nunca mais voltar ali ou tentar falar com ela. Viver o que sentia em silêncio.

Agora ela já deveria ter achado a carta, pensou enquanto saía pela porta sem ver a bicicleta que vinha em sua direção. Ao tentar se esquivar trombou no velho de casaco verde parado do outro lado da calçada. Não teve tempo de sentir o coração pulsar na garganta. Fechou os olhos quando percebeu que um ônibus dobrou repentinamente a esquina vindo em sua direção. Continuou ali parado, em preto e branco.

07 de fevereiro de 2008
Imagem capturada em https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgbr9AHJ5kGJV89SxMnk42Yi6Ac1fkqrdGDtlXhEuWt0H0yY3iEEtI6b4j87ORko3hhsY7qUGWJNxaCp3IuiV9YeXEYuiGlr6YxFeVuQVTyRpGgniv6tJFf4df498ZhztBB53svEXTKrTDJ/s1600-h/calcada.jpg

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