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quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Existir nas Pausas

Depois de 17 anos sem meu pai, hoje, sem um sentido aparente, amanheci com saudades dele. Já não sentia isso há anos. Mas o que eu esperava? Afinal perder alguém que é parte de você nunca faz sentido. Não de cara. Mas o telefone continua tocando, as contas continuam chegando, você se pega, mais cedo do que tarde, rindo de uma piada boba. Tudo se encaixa outra vez. Com uma diferença: nada será como antes.

No meu caso, um garoto de 15 anos que, numa manhã de quarta-feira viu seu mundo mudar e tormar rumos desconhecidos. O pior é que não temos como saber em que momento a vida mudará para sempre. Na última vez que falei com meu pai, ele tinha me levado para pegar o onibus que iria para Goianésia. Lembro de olhar pela janela e vê-lo parado ao lado do Corcel verge musgo que tínhamos na época. O mesmo carro onde tinha me ensinado as primeiras noções de direção. Como sempre, falamos pouco e me lembro apenas do apelo feito por ele, instantes antes de eu sair do carro: "Quando quiser vir pra casa não se preocupe com dinheiro. Aqui a gente dá um jeito". Naquela época eu tinha deixado Lagolândia para estudar em outra cidade.

Se pudesse saber que aquela seria a última vez que nos falaríamos, teria certamente dito a ele dos sentimentos nunca antes demonstrados ou sequer pronunciados. O problema é que somos equipados com essa presunçosa mania de achar que sempre haverá mais um. Mais uma conversa, mais um abraço silencioso, mais um telefonema, mais uma aula de direção, mais uma refeição juntos, mais uma oportunidade para pedir desculpas, mais uma chance de fazer direito, de não levar tão a sério, de seguir a intuição e não a razão.

Mas quem tem tempo para tantos rituais executados no momento presente? Nossa cabeça está no que passou e no que virá, nunca aqui, neste exato instante. Mas quem sabe não é esse o grande segredo da vida? Se só o agora existe, por que insistimos em viver lá atrás ou ali na frente? Por que estamos sempre com a sensação de que, quando finalmente acertamos o passo, a música muda? Li uma vez que um pianista famoso disse que a arte de organizar as notas para compor uma canção estava nas pausas. Será isso então? Quando conseguirmos existir plenamente nas pausas, e não simplesmente passar por elas, teremos entendido a vida?

07 de fevereiro de 2008
Imagem capturada em http://www.thatblackgirlart.com/art_quilts.html

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