O coelho branco de Alice atravessa o meu quarto apressado, pula na minha cama e pergunta sem fôlego:- Como faço para chegar à Escandinávia?
Tudo começa (ou recomeça?) meio sem foco, entre os lençóis. A luz no quarto é difusa, como os pensamentos. É segunda-feira. Olho no relógio do celular e não consigo enxergar direito as horas. O coelho fixa o relógio que carrega nas mãos e dispara: é tarde, é tarde.
Todos os dias eu penso que é tarde acordar depois das 8 da manhã. E não me compadeço de mim mesmo. Hoje, a culpa por não estar acordado como todos os outros trabalhadores, invade meu corpo inteiro que tenta deslizar para fora do edredom.Escandinávia? Penso em voz alta. É fácil... siga essa rua, depois vire à esquerda. A Escandinávia fica na esquina, perto de uma locadora pequena, quase-de-brinquedo. Ele não escuta, não vê, não percebe. Sai em disparada: é tarde, é tarde, muito tarde. Deixo minha culpa fugir com ele. Não o sigo e nem resmungo, ando como-que-sem-eira-nem-beira, seguindo a direção do banheiro. Paro na porta. Espero. Resolvo abrir a janela do quarto antes e espero de novo. Revoada de pássaros em plena selva de pedra. Seria isso epifania?
Penso na alegria de ter uma segunda-feira inteira para escolher o que quero fazer e quando quero fazer. Sem regras ou horários que prendam minhas vontades em minutos de obrigações, me olho no espelho e passo a mão pelos cabelos que insistem em se amontoar lá nas alturas. Escovo os dentes, tomo uma ducha, fico só de cueca porque estou só em casa.
Resolvo que vou mergulhar num azul profundo de calma-calmaria. Não quero por hora os sons dissonantes, os acordes fora do meu compasso. Ouço sambas novos e antigos. Enquanto como biscoito lembro da noite passada e me acho entre quereres possíveis e fugas noturnas. Queria cantar para o coelho branco, mas ele não me escutaria mesmo, então deixo aqui os versos repetidos:
Já passaram dias inteiros
Janeiros,
calendedário que nunca chega ao fim
Início sim
e só recomeçar
31 de março de 2008
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