Houve um tempo em que minha janela se abria para uma rua de infinitos brinquedos. Misturado à sombra do Flamboyant, que teimava entrar pelo meu quarto, eu podia ver o rio lá embaixo e os cipós trançados aos pés de guiné no alicerce da casa. Do lado direito, sulcada entre pedras e matos rasteiros, uma trilha serpenteava até a próxima esquina. Com o cipó, eu fazia a corda de pular cantando. As peças pra jogar baliza eram pedrinhas robustas, selecionadas com o mesmo cuidado que um lavrador tem ao escolher as melhores sementes para o plantio. Nas idas para a casa da Vó, o 'trieiro' virava abismo onde eu tentava me equilibrar com um pé só para atravessá-lo sem medo de cair.
Houve um tempo em que minha janela se abria para o vazio ensolarado deixado pela ausência do pé de Flamboyant. As trilhas do abismo inventado já não permitiam a travessia de um garoto que carregava tantos medos. Duas dúzias de dúvidas se misturavam às pedras que só serviam para dificultar as descobertas solítárias de quem só tinha 13 anos.
Vivo um tempo em que minha janela se abre para horizontes de nuvens espessas. E se não há mais o pé de Flamboyant, eu o desenho. Com os cipós que atravessam os alicerces, eu tranço sonhos que transformam trilhas em estradas. Por vezes, abro minha janela para que ela descortine os desejos que trago escondidos aqui dentro e, assim, o mundo volta a ser aquela rua de infinitos brinquedos.
OBS.: Este texto nasceu depois que eu li o poema "A arte de ser feliz" da Cecília Meireles. Clique aqui para ler.
Imagem: Wolney Fernandes
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