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terça-feira, 26 de janeiro de 2010

O que me atravessa

"'Quem é você?', perguntou a Lagarta.
Não era uma maneira encorajadora de iniciar uma conversa. Alice retrucou, bastante timidamente: "Eu - eu não sei muito bem, Senhora, no presente momento - pelo menos eu sei quem eu era quando levantei esta manhã, mas acho que tenho mudado muitas vezes desde então."

(Lewis Carroll: Alice no País das Maravilhas)

Sou cartógrafo de afetos, camisetas pintadas à mão, rosto sisudo, gagueiras sem fim, delicadezas pueris, cabelo de corte ultrapassado, olhos de tamarindo, livros de criança, cozinheiro de araque, silêncio dentro da vontade de gritar.

Sou aridez em terra fértil e vento em dias de calor. Menino de lugar nenhum, homem de muitas descobertas, multiplicidades desconhecidas, cuecas de "perninha", pés calçados, inconstância, choro em cinema, havaianas desenhadas, contradição, medo, literatura, preguiças em tardes de terça, excentricidade, birra, chatice, alegria ligeira, tristeza passageira.

Sou um monte de tentativas e mais um monte de erros. Personagem de meu discurso, pamonhas na madrugada, ocultação e revelação desmedidas. Sou as amizades que cultivo, dietas sem disciplina, desenhos de cotidianos e livros no banheiro.

Sou aquilo que me atravessa e me toma pelas mãos, sem que eu saiba bem. Dessas coisas todas e mais outras, sou feito e vou me constituindo vida afora.

Imagem: Luiz Zerbini

Um comentário:

Deire Assis disse...

Engraçado... de repente um reconhecimento ao ler você...