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sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Pelo sabor do próprio desejo


Oi Deus, boa noite!
Feliz Natal atrasado pro Senhor!

Eu sei que perfeita é a Sua vontade, que sábios são Seus caminhos e que o Senhor tem lá seus motivos, todos eles, muito além da minha compreensão. Não vou portanto, nem me revoltar, nem praguejar contra minha sorte, nem mesmo questionar o calor que tem feito nessa terra.

Estou escrevendo para falar um pouco dessa nossa relação que vem se arrastando já há um bom tempo, né? O Senhor sabe que tentei amá-lo de várias formas durante anos. Me esforcei muitíssimo, mas foi ficando cada vez mais complicado. Acho que não é pecado não amar o pai, é? Não amar a mãe até pode ser! Digo isso não porque não acredite no Senhor. Apenas fomos ficando indiferentes um ao outro e, na medida que o tempo passa, a gente se afasta.

Receio que essa distância se torne insuportável um dia, e de velhos amigos a gente passe a meros desconhecidos. Cada um para o seu lado, sem a menor perspectiva de que um dia nossos caminhos se cruzem. Quem sabe ali pertinho da morte a gente partilhe uma falsa saudade? Pode até ser, mas até lá vou me virando com minha falta de jeito com a vida.

Nesse tempo, distantes, vou criando coragem para me confessar um homem de intenções gargalhantes, tentando abandonar essa corda bamba que tem orientado meu caminhar diante de suas vontades e desígnios. Espero que o Senhor entenda que eu preciso cada vez mais levar em consideração meus próprios desejos.

Eu sei que o Senhor não fará nada para impedir isso e agradeço. Sobreviverei, eu sei, pois já faz um bom tempo que minha fome não é mais saciada com os frágeis improvisos que a sua Igreja, pateticamente, tenta me enfiar goela abaixo. Pão sem sabor já não quero mais!

Prefiro dividir essa vontade de comer com gente que sorri sem esperar nada em troca e me lambuzar com os tantos sabores guardados e já experimentados por aí: os suspiros coloridos da venda do Seu Adelino, o bolinho de milho da Vó D'Alena, os biscoitos gigantes do Seu Bandarra, os abacates do Vó Elias ou o sorvete feito de suco e vendido na praça em dia de festa.

Assim, sigo daqui!
Com a admiração de sempre!
Wolney

Foto de Martin Parr. Peguei aqui.

2 comentários:

Michelle Santos disse...

Reconheço nesse texto uma ressaca moral pós-Life of Pi.

Afonso Medeiros disse...

Impressionante como me reconheço neste teu texto...