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segunda-feira, 24 de agosto de 2015

O Fundamentalista Relutante


"Princeton possibilitou tudo para mim. Mas não me fez, não poderia fazer-me esquecer coisas como o quanto gosto do chá desta minha cidade natal." [p. 17]

Changez é um jovem paquistanês que viveu um tempo nos Estados Unidos e que, de volta à sua terra natal, relembra os fatos que o fizeram retornar a Lahore, a segunda maior cidade do Paquistão. Sem muito rebuscamento, essa narrativa lembra um monólogo e é feita a um misterioso norte-americano que ele encontra em um café.

"O Fundamentalista Relutante" de Mohsin Hamid já começa sem rodeios, demonstrando o vasto conhecimento do protagonista em torno da experiência de se sentir estrangeiro. Sua fala mordaz busca apaziguar seu interlocutor, mas é feita com a ciência daquilo que o torna diferente.

"Ah, vejo que o assustei. Não se assuste com minha barba." [p. 05]

E é nessa diferença que se encontra o dilema de Changez. Formado em Princeton, funcionário de uma empresa de alto porte em Nova York e apaixonado por uma americana, o paquistanês passa a escamotear a própria identidade ao se deixar seduzir pela vida na América do Norte.

"Assim, aprendi a dizer a executivos da idade de meu pai que 'preciso disso já'; aprendi a furar filas, passando à frente de todos, com um sorriso extraterritorial; e aprendi a responder, quando me perguntavam de onde eu era, que era de Nova York. O senhor quer saber se essas coisas incomodavam? Com certeza; muitas vezes, eu me sentia envergonhado. Mas, externamente, não dava nenhum sinal disso." [p. 63-64]

O que altera essa farsa é o atentado ocorrido em 2001, pois junto das Torres Gêmeas começam a ruir também os sentimentos construídos por Changez em torno do sonho americano que ele tanto acalentou. A clarividência desse fato mostra, gradualmente, a relutância realçada no título do livro, pois o protagonista passa a se sentir um estrangeiro naquela terra que possibilitou com que ele tivesse muito mais do que poderia sonhar em seu próprio país. E ele, então, começa a olhar para si mesmo e sua terra natal de um outro lugar.

"É que nem sempre fomos oprimidos pela dívida externa, dependentes da ajuda e das esmolas internacionais; nas histórias que contamos de nós mesmos, não somos os radicais enlouquecidos e indigentes que o senhos vê em seus canais de televisão, mas fomos santos e poetas e - sim, isso mesmo - reis conquistadores (...) E fizemos estas coisas quando seu país ainda era um punhado de treze pequenas colônias que mordiscavam a borda de um continente." [p. 96]

Acompanhar a transição de um homem que habita um entrelugar é a grande qualidade do livro que além de dinâmico, possui personagens muito interessantes. Oscilando entre o global e o local, a narrativa precisa de Hamid consegue se aprofundar nas consequências particulares que um evento mundial pode provocar nas pessoas.

O livro, inteligentemente escrito em primeira pessoa, parte da experiência do próprio autor durante sua estadia nos EUA e também virou filme em 2013. Parte de um desejo meu em conhecer a literatura de outros lugares do mundo, "O Fundamentalista Relutante" apresenta uma história acima da média que amplia a voz daqueles que nem sempre são ouvidos.

"Essas viagens me convenceram de que nem sempre é possível estabelecemos nossas fronteiras, depois que um relacionamento as embota e as torna permeáveis: por mais que tentemos, não conseguimos reconstituir-nos como os seres autônomos que antes imaginávamos ser. Algo de nós fica do lado de fora, e algo de fora passa a habitar dentro de nós." [p. 162]

Foto: Wolney Fernandes

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