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quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Orfandade

Da última vez que tentei, não consegui. E senti vergonha. Qual será o castigo para um filho que não lembra mais o rosto do pai? Tento, por vezes, me redimir e invento traços que definam aquele rosto... que definam aquele pai de 18 anos atrás.

De herança ele deixou o furo no queixo, a viola que ele amava e um avô que eu passei a conhecer depois que ele se foi. Minhas invenções buscam preencher os espaços em branco que a memória teima em deixar. Esboço seu rosto inúmeras vezes, mas as linhas inventadas por mim, ruidosamente tropeçam em minhas próprias feições: rosto sisudo, queixo retraído... calado.

Confesso seu nome inúmeras vezes diante de meus esquecimentos, mas nunca sou perdoado. Lembranças em banho-maria, os rabiscos melados de mim e oportunidades para o silêncio.

[...]

Na imagem do meu pai, as cores da vida e as dores da morte se confundem. Talvez por isso, ainda seja tão difícil.

"Pai, minha invenção de você foi um fracasso. Mas se tivesse dado certo, talvez eu não me sentiria tão órfão agora".

Imagem: Wolney Fernandes

2 comentários:

Fernando Lage disse...

Chorei...
E você sabe o quanto isso é raro.
Você me emociona a cada instante.
Obrigado, amigo.

ema b disse...

Triste mas muito bonito também.
Quando a dor suavizar, a imagem ficará mais nítida.
Gostei muito.