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sexta-feira, 30 de abril de 2010

Pela janela sem moldura

O gosto do vinho ainda ardia em minha garganta quando, diante da garrafa vazia, a janela sem grades se desenhou à minha frente. Estavam lá, cravados no meio das luzes da cidade e em meu peito, montes de sentimentos pedindo para serem libertados.

Feito náufrago em ilhas habitadas por segredos, olhei fundo a taça que trazia na mão direita e o restinho de líquido púrpura refletiu um pedaço de mim que andava soterrado. Num impulso maroto, destes que nos tomam pela vontade de salvação, atirei garrafa e taça pela janela afora .

Inspirei.

Esperei que barulho de meus estilhaços cortassem o silêncio da noite.

Expirei.

O céu visto do décimo andar se fez espaço em branco sem ponto de fuga. Não havia moldura, nem chão... somente um mar estrelado invadindo o desejo de novos desenhos que habitassem meu corpo. Corpo que na incidência entre imagem e realidade, se abriu para acolher as diagonais que atravessam minhas humanidades. Corpo que, na fraqueza, desejou libertar-se da falsa poesia do moço de "hábitos sempre puros" para se mostrar colecionador de inúmeras fragilidades em ebulição. E daí?!

Não tem margens essa liberdade que, simultaneamente, me faz menino de territórios híbridos e homem que dorme desejando mais vinhos e janelas sem molduras.

Imagem: Wolney Fernandes

2 comentários:

Odailso Berté disse...

Exercíco que pode devolver a leveza de vida almejada de maneira mais contínua. Momento brusco que demarca mudanças vindouras, possíveis perdas, novas escolhas. Obrigado, poeta/escritor/imagético, por povoar a vida de coisas bonitas. Suas palavras habitam corpo e coração deste que lê, espera e ama.

Falkner M. S. disse...

Indiquei um selo para o seu blog. Gosto do teu trabalho aqui, na boa (: