Eu, riacho indeciso, desde menino temo enormes temporais e ondas. Só sei me esconder desse excesso de [a]mar.
Não gosto de chuva movimentando minha superfície, pois suas lâminas pontiagudas atravessam meus extratos mais profundos e me perco no fluxo das coisas do mundo. A chuva - misteriosa e labiríntica - me fez crescer assim, rio atormentado.
Sem perceber que chuva, nuvem, rio e mar são todos lugares onde se anota o tempo, sigo meu curso evitando tempestades e me perdendo em curvas que dão acesso ao nada e em pontes que não vão a lugar nenhum.
Em meu reflexo ondulante, sou Narciso. Olho pra mim mesmo, espantado em perceber minha presença enquanto rio. Vivo um cenário de sombra sem hospedagem. Aturdido e causado com minha própria imagem, sem me saber água, tenho pedaços arrancados em intimidades e delicadezas que doem em profundezas impressionantes. Em minhas águas sigo à procura de abrigo e margem.
[...]
Suspiro, cansado de tanto nadar. Como tudo que é mundano e comum se torna terrível e selvagem, me afogo sem ar, ao perceber que meu coração sucumbe por excesso de mim mesmo.
Imagem: Narciso de Caravaggio
Um comentário:
Oi, Ivano!
Tanto tempo sem passar por aqui...
Muito lindo seu texto! Voltar aqui e ler tamanha beleza é um intervalo de tempo com saída enriquecedora.
Muito prazer revê-lo e relê-lo!
Postar um comentário