A boca é um paraíso pouco sagrado por onde a maioria absoluta dos desejos humanos precisam passar em algum momento.
Escrevi a frase acima umas 15 vezes antes de lhe colocar um ponto final. No final dos pontos é sempre assim: escrevo, apago, refaço. Redigo, repenso, até conseguir me distrair dos dias atarefados e abarrotados de leituras, acidentes no trânsito e rotinas que sufocam. Escrevo sobre as delícias da boca para que elas me tirem das obrigatoriedades e me levem a tentar outra coisa: tv, sofá, punheta, piquenique ou download de músicas aleatórias.
Outro dia, percebi que o luxo dos nossos dias é ter tempo para olhar para o tempo. Feito criança de interior que se diverte contando vagalumes ou tentando advinhar a sequência de acendimento das lâmpadas que iluminam a pequena cidade onde vive.
Ainda bem que, apesar das correrias, sempre dá tempo de conjurar pedidos para não lamentar os amores que desfiz com os próprios dedos e não esquecer a inutilidade que é correr de sol-a-sol perseguindo os desejos dos outros.
Se tenho obrigações? Muitas. Mas até arrisco dizer que há tanta vida para se enfrentar por aí que bom mesmo é cultivar essa vontade de bocas profanas. Daquelas que plantam oxigênio nos mergulhos do dia a dia e deixam ardências e sabores nos lugares mais inusitados. Daquelas que nos ajudam a perceber os próprios desejos sem o desvio natural da vergonha e da civilidade.
Foto: Wolney Fernandes
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