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domingo, 15 de dezembro de 2013

No meu peito não cabem pássaros


Terminei de ler "No meu peito não cabem pássaros" do escritor português Nuno Camarneiro. Fiquei o domingo inteiro escolhendo um jeito de falar sobre o livro, cuja carga poética é tão intensa e, no final das contas, ainda não sei bem o que dizer. 

Em 1910, três histórias se intercalam para mostrar, de modo engenhoso, personagens muito peculiares e, cujas vidas, são tocadas pela passagem do cometa Halley pela terra. Jorge, um menino de Buenos Aires, circunscreve a realidade em jeitos inventivos e fora do comum, sofre bullying na escola e tenta entender o mundo à partir de um olhar muito peculiar. Fernando é um jovem escritor que desembarca em Lisboa para morar com as tias, estudar e se curar do luto pela morte da irmã. Karl, um imigrante que vive em Nova York, é o mais taciturno dos três. Começa como limpador de vidros e segue expurgando seus fantasmas enquanto pula de trabalho em trabalho para sobreviver na capital do mundo. 

Minha indecisão em como abordar o livro me levou a transcrever alguns trechos que me atravessaram, para que as palavras do próprio autor pudessem pronunciar o que eu [ainda] não sei dizer. Minha única certeza é que "No meu peito não cabem pássaros" é leitura imperdível. Dessas que promovem silêncios, que fazem os pensamentos circularem de um outro modo e que acarinha a pele com arrepios. Escuta só:

"Viver num sítio é ser esse sítio, emprestar-lhe a alma e receber outra em troca. As biografias deviam ordenar-se por lugares, e não por datas. Nesta rua fui assim, numa outra fui diverso. Ninguém sabe descrever uma cidade, são as cidades que nos escrevem a nós."

"A vida é uma dádiva que requer manutenção, precisa de gestos pequenos como dar corda no relógio ou sorrir a quem passa."

"Quem nos livra do mal? Ninguém nos livra do mal."

"Se pudesse, gostaria de levar o sonho da noite para o dia, trazê-lo no bolso e olhar para ele a cada instante, enquanto as pernas fazem as suas coisas de pernas e a boca diz o que dela se espera."

"Um homem atirou-se do alto com uma bíblia na mão. Diz quem viu que chegaram ao chão ao mesmo tempo, mas a bíblia ainda serve."

"Há homens tristes e homens alegres e há também homens velhos. A idade é um caldo frio de emoções passadas, sabores e aromas que se propõem ao acaso na memória dos velhos. O tempo gasta tudo o que roça, pedras e corpos, a todos o tempo arredonda as arestas como se lhes combatesse as formas. O tempo vai-nos mastigando para que a morte nos ache tenros e dóceis. Também a morte é uma senhora antiga com os dentes cansados de roer." 

"Viver como quem passeia cá por baixo, distraído de um universo aonde se há de voltar em alguma hora, até que sopre um frio de fim de tarde e uma voz chame para dentro, 'vamos, que vem noite'."

P.S.: Os três protagonistas são baseados em três autores da literatura mundial: Kafka, Jorge Luís Borges e Fernando Pessoa.

Um comentário:

Nina disse...

Já ouvi falar muito dessa obra - que, inclusive, tenho aqui em casa. Gosto muito dessa coleção de Novíssimos da editora Leya. Todos os títulos me agradam muito.
Estou ansiosa para esse também!
Abraços.