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quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

O taxista


Coloquei o cinto de segurança e ao indicar o destino ao taxista, percebi que o conhecia. Mas de onde? Traição tamanha essa da memória que reconhece, mas não localiza. Passei o restante do trajeto assim, num jogo de 'pega-pega' com aquele rosto que, embora mais velho, me pareceu familiar.

Já perto do meu prédio, arrisquei: "Tenho a impressão que conheço o senhor de algum lugar", mas a resposta me veio bem evasiva como eu já suspeitava: "Como motorista de táxi eu já transportei muita gente. Deve ser isso." Seguimos calados o restante do trajeto.

Depois de pegar minha bagagem no porta-malas do carro, ele me disse o valor da corrida e, ao retirar a carteira do bolso para pagá-lo, a memória funcionou como deveria. O ano era 1999. Segunda-feira, segundo dia da segunda fase das provas do vestibular da UFG. Eu estava desacreditado do meu desempenho nas avaliações do dia anterior e tinha um plano secreto: não fazer as provas do segundo dia porque, do alto da minha descrença e falta de confiança, eu já tinha proclamado a minha reprovação. O plano era seguir para outro local, passar o tempo com alguma atividade mais prazerosa do que me afundar em provas e voltar pra casa no final do dia como se tudo tivesse acontecido conforme manda o protocolo.

No caminho até o ponto de ônibus, sem saber direito ainda pra onde ir, resolvi fazer a tarde ficar mais divertida. Me lembro de ter cerca de trinta reais na carteira. Calculei que gastaria metade daquela fortuna pegando um táxi e pedindo que o motorista me deixasse em qualquer lugar da cidade até que o taxímetro marcasse quinze reais. Peguei um táxi do ponto perto da minha casa no Setor Universitário e fiz o pedido ao motorista.

Ele ficou meio desconfiado, sem saber para onde seguir, mas pôs o carro em movimento enquanto questionava a razão do meu pedido. Para diminuir um pouco da desconfiança que eu já via refletida no modo como ele fez a pergunta, decidi contar a história toda. Ele ouviu tudo sem dizer nada e depois de um breve silêncio só perguntou onde seriam as provas. Eu respondi já satisfeito por conseguir contar com a cumplicidade dele na realização da primeira parte do meu plano.

Meu mundo caiu quando vi que o taxímetro ultrapassou o valor que eu tinha previsto e ao pedir que ele parasse o carro, ele não obedeceu. Um medo percorreu minha espinha inteira e na minha vez de desconfiar do plano secreto do motorista insisti que precisava descer. Recém chegado a Goiânia, eu não conhecia direito a cidade e, para minha surpresa, ele parou bem em frente ao local das provas e ordenou: "Desça e faça a prova!"

Havia tanta convicção naquela sentença que eu paguei os quinze reais sem dizer nada [a corrida tinha dado um pouco mais] e saí do táxi ainda surpreso com a atitude daquele senhor desconhecido. Dei de ombros e entrei pelos portões. Fiz as provas.

A notícia da minha aprovação, meses depois, veio acompanhada da vontade de agradecê-lo e até tentei fazê-lo, num dia que passei perto do ponto de táxi onde ele ficava. Não tive sucesso porque nunca o encontrei novamente. Tinha se mudado para Anápolis, conforme me esclareceu um colega de profissão.

15 anos depois, em uma corrida do aeroporto para casa, reencontro o motorista e para confirmar minhas suspeitas, ao entregar o dinheiro da corrida perguntei: "O senhor já trabalhou em um ponto de táxi na rua 242 no Setor Universitário?". O telefone dele tocou e já fazendo a manobra para ganhar a avenida ele me disse que sim e, preocupado em responder a chamada e acelerar antes do sinal fechar, foi embora sem ouvir o obrigado que eu pronunciei por duas vezes parado na calçada.

A foto eu achei aqui.

7 comentários:

Raí disse...

Fantástico! Depois te conto a minha versão de uma história com taxista...

Levi Nogueira disse...

Fiquei de fato emocionado.

Tales disse...

Tanta gente na vida garantindo nossos trânsitos. Que conto feliz :)

Ceila Rodrigues disse...

Wolney, que lindooo. Confesso que chorei lendo sua história. Tomara que consiga reencontrá-lo um dia para agradecê-lo.

Thiago Dantas disse...

Tá permitido chorar? Porque tô chorando (e tô sendo literal, não debochado).

Odailso Berté disse...

Leitura terminada... Olhos molhados... Emoção contagiada. Coisas tão lindas você tira da simplicidade da vida. Seja em imagens, seja em palavras, transformar peripécias em pérolas é sua alquimia mais perspicaz.

Reinaldo disse...

Lindo... de verdade. :')