Minha interpretação bidimensional para Lacuna.Imagem de Wolney Fernandes, inspirada no texto "Lacuna" de Adriano Antunes.
A minha memória tem se tornado a minha imaginação. Assim, me conformo quando as lembranças começam a inventar alguns dos meus dias. Apesar de ainda ser díficil aceitar que talvez algumas das recordações de tempos de outrora tenham sido rabiscos escritos com brisas azuis.
Do escuro eu só sentia o calor que a textura da parede imprimia em meus dedos. A luz difusa que espreitava embaixo da porta conduzia meu olhar e meus passos. Por um instante a frieza daquele corredor infinito se dissipou em pensamentos de esperança que reacendeu meus sentidos. O cheiro conhecido do alecrim já tomava meu corpo quando minha mão tocou a maçaneta fria. Não houve barulho quando a porta se abriu e eu pude ver meu quarto iluminado em listras amareladas projetadas pela persiana da janela. Um retrato riscado com 6B, repousava ao lado do meu próprio corpo que dormia serenamente de lado. Pude ver o vinco que a posição imprimia em meu rosto e contive a vontade de arrumar o cabelo emaranhado às dobras do travesseiro. Hesitei. Foi nesta breve hesitação que aquele lampejo de consciência me alertou: é só um sonho! Caminhei até a persiana e escureci ainda mais o lugar. Qualquer sinal de luz poderia me expulsar daquele encontro comigo mesmo. Tive vontade de velar por meu próprio sono, pois, ali em meio as lençol azul-escuro que minha mãe tanto odiava eu parecia mais um menino do que um homem de trinta e poucos anos. "Você está sonhando!" - outro lampejo de consciência me fez querer sair do quarto. Fui até o som e apertei o play sabendo que o Prelúdio da Suite nº 1 de Bach começaria a invadir meu sonho com a realidade que aquele gesto imprimia na rotina de minhas noites mal dormidas. Ouvi um barulho e, num sobressalto, meu olhar se voltou para a porta. Foi então que acordei ouvindo o finalzinho do CD com as sinfonias de Bach que eu tinha colocado pra tocar antes de dormir. Passam-se horas até descobrir onde esconder o medo que invadiu meu peito depois daquele sonho. Quando levanto, o mundo roda. Já disseram que a vertigem da queda é o melhor sentimento que existe?
Variações em temas diversos para minha postagem de número 501:
Aprendendo com Rainer Maria Rilke:
Quando se lê a mesma carta pela 17ª vez, as palavras parecem fazer ciranda do coração para os olhos e vice-versa. Tanta coisa a ser dita e assimilada que o papel se transforma em tela de pintar memórias. Tantos olhares... tantos sentidos ainda pulsantes na voz de Miguel Bosé, na sobrancelha de andorinha da Frida, no sabor do suco de cajá, nas poucas linhas de um depoimento secreto pela manhã, na saudade de um corpo/lugar cuja geografia íntima anula todas as minhas fronteiras.
O Filme:
Era quase de manhã. Um sonho agitado me acordou na primeira luz matutina e, esperando meu coração voltar ao ritmo desacelerado de sempre, comecei a estranhar as ausências.
No meio do caminho para o cinema eu percebi que não era lá que queria estar.
Tenho passado dias e madrugadas assim: desenhando silêncios de brisas azuis, projetando escritas e recitando imagens. Foi em um destes desenhos que encontrei as linhas sinuosas de cores esmaecidas que, de hoje em diante, darão cara nova ao blog. As alterações começaram na madrugada do dia 17, mas como toda arrumação conduzida por minhas mãos, vai se desenrolar aos pouquinhos, sem muita pressa... De um jeito bom e gostoso como há tempos não me permito trabalhar. Um traço aqui, uma entrelinha maior ali, um colorido bonito de cá e quando menos se espera, tudo está no lugar.
O final da noite de sexta foi permeada pelas cartas, bandeiras e imagens do vô Jorge, pai da minha mãe.
Os últimos dias no décimo andar do Edifício Rio São Francisco pelas palavras de Karen Armstrong:
Tinha algo ali que me inebriava. Talvez o cheiro da parafina queimada misturado ao ardume fétido de côco dos morcegos que habitavam o teto da igreja. Talvez os contornos das flores de plástico e o colorido psicodélico dos altares pintados de rosa, azul e laranja. Talvez fosse simplesmente os olhos de vidro da imagem de Nossa Senhora do Rosário que brilhavam para mim e, como em um encanto hipnótico, me conduzissem àquele lugar todas as vezes que o sino badalava anunciando a hora da reza.
Um desenho para criar;
Do estreito da janela sinto uma lufada de vento frio. Estremeço. Sinto o cheiro de alecrim que vem do armário do banheiro. Devoro uma lembrança como uma imagem estagnada e meu lembrar não se comporta fazendo canção com o vento que sibila lá fora.
'' Uso a palavra para compor meus silêncios.
Querida Sofia,
Meus medos invisíveis tomam forma e contornos de tristezas indomáveis. Por vezes me pego chorando, mesmo sorrindo... Minhas alegrias fugidias se perdem em mantras e orações que, mesmo conjuradas repetidamente, nunca me livram da rotina dos amores difíceis, do trabalho sem graça, de uma vida repleta de recordações e virtualidades.